Ponto de Partida

TODO OUVIDOS #6 – DENTRO DE MIM

André Salomão

Lá vem ele! E ela! Olha aquelezinho! Ah nem… essa senhora é tão fofinha, né? Será que ela vai gostar? Uai! Não vai parar de entrar gente? E o sinal pra começar? Demorando…

Pronto! Piscou! Vamos pro palco!!! Como é bom e apavorante estar aqui. Antes do primeiro acorde, o poema de abertura. Recapitulando… depois de “maior que o espaço”, conta 1, 2, 3, 4 e ataca no chimbal.

Ih! Deu pau! O poema voltou pro começo!!! Calma… respira… começou errado, mas vai dar certo no final! Será? Agora vai… 1, 2, 3, 4… “muito prazer, sou daqui… e quem não é?”

Segura essa costela aberta, meu filho! Naquela nota, bota aquele brilho que a professora ensinou! Joga no palato duro… Isso, garoto!!! Agora é correr pro abraço. Lembra do combinado: último acorde, congela, espera o aplauso e já começa a próxima. Simples!

Mas, e se não aplaudirem? Onde eu enfio a cara? É muito importante que aplaudam a primeira música!

Ufaaa!!! Que aplauso forte… parece que gostaram! Continue concentrado! Agora é A busca, depois Planos e Muros e aí, dar boa noite pro público. Tranquilo, 3 músicas suas, não tem como errar… Errei!!! Não acredito! Tem 8 anos que você toca essa música, que você mesmo que fez e ainda erra acorde? Sem problemas, ninguém percebeu. Finja normalidade. Artista é um fingidor!

Agora, vem aquele falsete… nos ensaios, a cada 10, eu desafinei em 9! Vai dar ruim!!! Ai, que vergonha! É agora! Prepara o apoio, criatura! Vai com fé… que lindo! Com eco, tipo montanhas de Minas! Passou!

“Boa noite! É um prazer enorme estar aqui nessa noite. Tá gostosinho? (porque eu falei isso?)… vamos seguir com uma mistura entre as músicas do meu CD Planos e Muros e outras conhecidas de vocês… Chico, Milton, Rita Lee e tal…”

Bom, já dei boa noite. O povo está receptivo, com aquele calorzinho… vai dar bom! Agora é só relaxar e aproveitar…

Aí! Porque foi relaxar, miseravi? Errou a entrada da terceira parte! Siga fingindo… “mas vou até o fim”. Tá ótimo, tá lindo… violão desafinou… afina… próxima…

Marcado… lembra de usar o braço. Primeiro pra direita, depois pra esquerda… próxima… Rica vida simples… vai ter que ser perfeita… ela quase rodou do repertório… se falhar, roda pra sempre! Vamo lá, gente! Eu canto, vocês repetem:

Chega de perder seu tempo raro
Confundindo o que é bom com o caro
Chega de perder o sol
Linda luz na hora do arrebol

Essa menina na primeira fila, não vai esboçar nenhuma reação? Nem mexer a cabeça… sei lá… vaiar… qualquer coisa! Foco, André! Pessoal tá curtindo. Pode ser só o jeito dela. Não dá nada. Segue o passeio!

Deixa chegar o sonho
Prepara uma avenida
Que a gente vai passar

Que delícia de cantar isso! Larguei o violão… To voando!!! Solta a voz, garoto! Que sorte ter uma banda dessa junto comigo! Os caras são demais mesmo! Hora de apresentá-los ao público…

“No baixo, Manu Leal. Bateria, Gladston Vieira. Percussão, Nil Dutra. Sax e flauta, Matheus Duque. Guitarra, Douglas Netto. E eu, sou André Salomão. Agora, vocês fazem parte da banda. Pessoal da direita, bate palma… do meio canta ‘Vô, num vô’… da esquerda ‘Ahn? Hein?’…”

Maravilha! Que diversão! Vivendo um sonho… cadê o Pitágoras, com a minha viola? Vou ficar falando aqui pra enrolar até ele aparecer… “agora, vou cantar uma música chamada ‘Calma’. É uma canção que…” Bateu!!! – Ivan Corrêa, diretor musical me salvando de pular uma das músicas que mais gosto de cantar. O Pit tava certo!

Bateu… bateu… bateu asas e voou

Uuuuhhh! Soltei um grito no meio da música! Não deu pra segurar! Quero ficar aqui pra sempre. Não quero que esse momento acabe! Lembrei do professor Clóvis de Barros falando sobre felicidade…

Agora sim, vou pegar a viola e cantar Calma.

Calma
agora que tudo passou
não tem porque correr

E esse clima de monte tibetano! Perfeito pra cantar Estrela, estrela. Essa música é linda demais. Segura o choro… segura… quem tem que chorar é o público! O Rony colocou umas lampadinhas pelo salão! A luz tá um convite pra rasgar o coração! Vou chorar… não! Consegui!

Agora, o baile. Desfrute! Esse nanana de Céu em preto e branco é bão demais pra cantar junto! Não para! Deixe fluir… emendando… Quem sabe isso quer dizer amor… troquei a letra!!! Paro ou não paro? Parei! A banda continuou…

“Gente, eu não dormiria tranquilo se não cantasse essa música direito. Vou começar a letra de novo!”

Agora sim! Tá lindo!!! E esse sax! Essa guitarra! O baixo! A bateria! A percussão! Flutuei agora! Segue o baile!

Como vai você?
Assim como eu
Uma pessoa comum
Um filho de Deus

Uai, credo!!! Todo mundo sabe cantar essa música? Arrepiei tudim!!! Dançando como se não houvesse amanhã! Tô no céu mesmo! Bem que o Lido falou que seria um sucesso cantá-la! Que pena que vai acabar na próxima! Batuque leve pra fechar com lalaiá… Sambando! Sambando!!!

Acabou! O público está de pé? É isso mesmo? É!!! Querendo mais um! Claro que vamos tocar outra. Primeiro, a importantíssima missão de agradecer aos envolvidos. E segurem essa:

Há um menino
há um moleque
morando sempre no meu coração
toda vez que o adulto balança
ele vem pra me dar a mão…

… pois não posso, não devo, não quero viver
como toda essa gente insiste em viver
e não posso aceitar sossegado
qualquer sacanagem ser coisa normal

 

Texto extraído do Blog Araguari MG, 16 de maio de 2016.

André Salomão é músico e aluno da Bituca:Universidade de Música Popular.